O REINADO DA FRELIMO DESAFIADO: A EMERGÊNCIA DE VENÂNCIO MONDLANE
Quando as pessoas assistiam a debates políticos na Soico TV, um dos canais privados mais assistidos em Moçambique, por volta de 2010, frequentemente viam um jovem engenheiro florestal e funcionário bancário que articulava brilhantemente os problemas do país.
Esse jovem era Venâncio Mondlane, um parente distante de Eduardo Mondlane, o primeiro presidente da Frelimo (Frente de Libertação de Moçambique). A família de Venâncio apoiava o movimento de libertação que levou Moçambique à independência de Portugal em 1975. No entanto, sua crítica mordaz sugeria que suas simpatias não estavam com o partido no poder.
Hoje, Venâncio Mondlane se encontra no centro da pior crise política que abalou os 50 anos de governo da Frelimo em Moçambique, um país do sul da África rico em recursos, mas empobrecido, com 35 milhões de habitantes.
Ele afirma ter sido enganado na vitória das eleições presidenciais e legislativas realizadas em 9 de outubro de 2024. O órgão eleitoral do país declarou que Daniel Chapo (47), da Frelimo, venceu com mais de 70% dos votos, enquanto Mondlane (50), um independente apoiado pelo pequeno Partido Otimista para o Desenvolvimento de Moçambique (Podemos), ficou atrás com 20%.
O tribunal mais alto do país confirmou posteriormente a vitória da Frelimo, mas ajustou os números para 65% para Chapo e 24% para Mondlane.
Protestos populares eclodiram após os resultados iniciais das eleições. Essas eleições foram consideradas fraudulentas por observadores nacionais e internacionais.
Os protestos, liderados por Mondlane através de plataformas online a partir de um esconderijo secreto no exterior, paralisaram o país: as fronteiras com a África do Sul foram bloqueadas, trazendo graves consequências econômicas para ambas as nações. Milhares de pessoas fugiram. A sede da Frelimo foi destruída. Acima de tudo, parecia que os moçambicanos finalmente perderam o medo das autoridades repressivas.
A resposta do governo cessante do presidente Filipe Nyusi foi dura: um não categórico às solicitações de repetição das eleições. Ele respondeu aos protestos com violência letal.
Mondlane e a dinâmica política moçambicana
Especializo-me na política dos países lusófonos da África, em particular Moçambique. Durante meus anos de pesquisa, estabeleci relações privilegiadas com atores políticos importantes, o que me permitiu compreender profundamente a dinâmica política moçambicana.
Entrevistei Venâncio Mondlane em Maputo, em 2014, para uma pesquisa sobre a degradação do sistema político moçambicano. Meu conceito de risco político tenta explicar como a Frelimo manipulou o processo eleitoral para manter o poder político.
Desde sua independência, em 1975, Moçambique tem sido governado pela Frelimo, um partido marxista-leninista que mais tarde se converteu ao liberalismo desenfreado no início da década de 1990.
Nos últimos anos, desde a morte de Afonso Dhlakama, em 2018, líder histórico da Renamo, o maior partido de oposição, tem sido difícil observar uma proposta política concreta da Frelimo e da Renamo para resolver os problemas de desenvolvimento e a grave situação econômica. Mondlane entrou em cena para preencher esse vazio.
Primeiros anos
Nascido em Lichinga (província do Niassa, norte de Moçambique) em 1974, Mondlane foi por muito tempo um militante da sociedade civil. Em 2000, foi particularmente ativo em ajudar pessoas afetadas pelas inundações na província de Gaza, no sul do país.
Nos anos seguintes, continuou com várias iniciativas sociais e culturais. Em 2013, foi o único jovem dos países africanos de língua portuguesa incluído no Programa Internacional de Liderança promovido pelo então presidente dos EUA, Barack Obama. Essas experiências na sociedade civil ajudaram a moldar a visão política de Mondlane fora da política partidária.
Mais tarde, tornou-se pastor de uma igreja evangélica africana. Ele também utilizou as redes sociais para enfraquecer o sistema tradicional de partido-estado da Frelimo.
O programa político de Mondlane inclui maior liberalização econômica e reformas institucionais para implementar a separação de poderes. Ele também defende medidas concretas para combater a pobreza e promover os direitos humanos – desde a liberdade de expressão e imprensa até moradia para os jovens.
Admira o ex-líder brasileiro de extrema-direita Jair Bolsonaro e parece estar próximo das posições do Chega, partido de extrema-direita em Portugal. Contudo, ultimamente, parece ter se aproximado mais do liberalismo. Em resumo, sua visão política é uma mistura de populismo, humanismo, inovação e profundo conhecimento dos problemas, contrastando com as práticas corruptas da Frelimo.
Eleições municipais
Mondlane iniciou sua aventura política em 2013, quando ingressou no Movimento Democrático de Moçambique (MDM). Este era um novo partido político criado por Daviz Simango, filho do ex-vice-presidente da Frelimo, Uria Simango, em 2008. Ele rompeu a aliança com a Renamo de Dhlakama.
O novo partido venceu as eleições municipais em Beira, a quarta cidade mais populosa, e surgiu como a principal ameaça ao sistema de poder partido-estado da Frelimo.
Mondlane foi o candidato do novo partido à prefeitura do município de Maputo, a capital. Ele e outros jovens políticos conseguiram resultados significativos nas eleições municipais de 2013.
O MDM também venceu em outras cidades importantes, como Nampula e Quelimane. Em alguns municípios, obteve entre 30% e 40% das cadeiras.
Mas Simango venceu a prefeitura de Maputo – sem as esmagadoras maiorias que a Frelimo sempre obteve nas eleições locais. O processo eleitoral foi envolto em controvérsias.
Na entrevista de 2014, Mondlane protestou amargamente, afirmando que havia vencido as eleições municipais, mas sido enganado.
Apelo à juventude
Nos anos seguintes, Mondlane tornou-se uma figura poderosa no cenário político moçambicano, aproveitando os erros da Frelimo e da Renamo.
Dhlakama via em Mondlane um líder que, com o tempo, poderia substituí-lo. Em uma reunião em Gorongosa, em 2017, onde Dhlakama liderava a segunda guerra entre a Renamo e o governo moçambicano, Mondlane abandonou o Movimento Democrático de Moçambique – que já estava em declínio – e juntou-se à Renamo. Foi encarregado de liderar a frente política do partido no sul, particularmente em Maputo, como o próprio Mondlane recorda.
Contudo, quando Dhlakama morreu, em maio de 2018, o partido ficou nas mãos de Ossufo Momade, um general do exército com pouca experiência política e nenhuma qualidade óbvia de liderança. Ele estabeleceu uma relação de desconfiança com Mondlane.
Em 2023, Mondlane foi candidato da Renamo à prefeitura de Maputo. Após uma campanha eleitoral inovadora, que atraiu o apoio de jovens e mulheres, Mondlane parecia ter triunfado nas eleições municipais da capital.
Sua ascensão também foi ajudada pela morte repentina do rapper mais famoso de Moçambique, Azagaia, em 2023. Jovens indignados com o sistema de poder da Frelimo, que encontravam nas letras de Azagaia um meio de expressar sua raiva, viram em Mondlane um substituto para articular suas preocupações políticas.
Mondlane liderou manifestações em Maputo após a morte de Azagaia. Ele foi visto na frente de grupos de jovens um tanto assustados, que cantavam as músicas famosas de Azagaia, incluindo o hit Poder ao Povo.
Mondlane pode ter percebido então que os moçambicanos precisavam de um líder político maduro e corajoso. Tornou-se o candidato da Renamo à liderança do município de Maputo.
Por essa altura, ele já era pastor da igreja evangélica africana Ministério Divina Esperança. Assim, conseguiu misturar o apelo religioso com o desejo dos jovens por redenção e justiça social. Isso uniu três frentes – religião, Renamo e os jovens seguidores de Azagaia – em um coquetel explosivo, eleitoralmente falando.
Retorno do exílio
As eleições contestadas de 2024 catapultaram Mondlane para a proeminência nacional e internacional. Ele embarcou em uma missão diplomática para obter apoio do Ocidente e de instituições africanas. O principal objetivo dessa missão era ganhar a confiança da comunidade internacional e expor o alto grau de fraude nas eleições de 2024.
Seus apoiadores e advogados também apresentaram uma queixa ao Tribunal Penal Internacional sobre a repressão policial moçambicana contra manifestantes pró-Mondlane, que causou muitas vítimas.
Autor:
Lucci Bussotti é professor no curso de doutorado em Paz, Democracia, Movimentos Sociais e Desenvolvimento Humano da Universidade Técnica de Moçambique (UDM). Este artigo foi publicado originalmente no theconversation.com.
Fonte: Revista The Star via o aplicativo Magzter.